quinta-feira, 24 de abril de 2008

“QUESTÕES VERNÁCULAS” “Deslizes da linguagem Falada e Escrita”

Embora seja episódio ou acontecimento já ultrapassado, mas não devidamente reconhecido ou esclarecido em sua oportunidade, quero à laia de crônica, repassar, nesta época em que se aproximam eleições, a ocorrência que trás involucrado em si, questões, liberdades, desconhecimentos ou hábitos inconscientes repetitivos, ou talvez muito conscientes, que se vão tornando corriqueiros pelas cidades, cidadelas ou recantos do país, fatos nem sempre salutares ou éticos ao uso do idioma pátrio e, às práticas democrático-republicanas.
Não gostaria de entrar em polêmica de pouca monta por questões de mera opinião, gosto ou tradição. No entanto não devo apenas satisfazer o meu gosto ou comodidade, uma vez que se arregimentam ufanamente entusiasmos e radicalidades que não agregam nada à cultura ou à verdade pragmática da boa convivência, pois lá vem, como cavalo de batalha, um editorial a sacramentar o que o editorialista sequer se deu ao paciente e consciente trabalho, de em breve pesquisa pessoal, antes de editorar e tomar cego partido, fundamentando-se primeira, conspícua e pessoalmente para então e, só então, advertir peremptóriamente como o fez, por jornada de jornal quinzenal e justa voz, publicar alto e bom som “doravante não se empregue mais o erro gramatical “cabreuvense”.
Ora, convenhamos! . . . Aí está precisamente uma errática concepção lingüística, falta de legitimidade e carência, de bom senso, como a que exige a paz social, a cordura., a cultura e a boa convivência entre patrícios ou munícipes. Acusar o prefeito de mau uso do idioma, objetivando, quem sabe, possível e disfarçadamente atingi-lo, no seu afinal bem fundamentado saber gramatical, difundindo popularmente entre quem ao ler de boa fé, mas sem autoridade e devido conhecimento na matéria, para analise crítica, para discernir o certo ou errado, pode deixar-se levar pela obnubilação, ante o óbvio aparente, na falta de fundamentada e criteriosa opinião.
Vem esse sub-reptício ato, óbvia e rebuscadamente eivado de preconceito, ou cega obediência a certo oportunismo e momentânea “conveniência política”, no reparo arbitrário à hipotética incorreção, ou certamente representa inegável desrespeito, desconhecimento ou desprezo pelos parâmetros admissíveis no uso da língua pátria. Dizer com propriedade “sou cabreuvense de coração” como disse o prefeito, assim como é perfeitamente legítimo e correto dizer “sou cabreuvano de coração” não aumenta ou diminue a qualidade, a autenticidade, o caráter ou a quantidade, de amor por Cabreúva, que um ou outro cidadão queira corretamente expressar de forma culta, corrente, sincera, correta, expressa com naturalidade despreocupada, displicentemente, da maneira gramatical local ou universalmente consagrada a que esteja habituado, que seja do seu gosto pessoal, ou que simplesmente assim o deseje, sem cometer despautérios lingüísticos, como qualquer pessoa respeitosamente prefira, por uso culto habitual, por uma ou outra locução pela tradição, gosto, costume, cultura, hábito e uso consuetudinário (ou seja: que se pratica repetidamente, como um costume; usual, costumeiro, fundado nos costumes, na prática, e não nas leis escritas (diz-se do direito, de lei etc.); costumeiro, como explica o autor do “Houaiss da língua portuguesa” consagrado, excelente e moderno dicionário com 380.000 acepções e 220.500 verbetes do etimólogo Antonio Houaiss, professor, diplomata, filólogo, lexicógrafo e acadêmico..., que em obra impar realizou um dos maiores dicionários de consulta da língua portuguesa, sem dúvida o mais recente e autorizado dicionário orientado e dirigido por um dos mais extraordinários e legítimos especialistas em lingüística, membro consagrado da citada “Academia Brasileira de Letras”. Academia que, nos autoritários tempos da ditadura Vargas, terá feito o “seu” hoje praticamente desacreditado “vocabulário ortográfico da língua portuguesa” vocabulário aliás totalmente desatualizado, polêmico e que, embora seja uma pista gramatical, não tem o reconhecimento cabal, prático e real dos verdadeiros cultores da língua, acadêmicos e autorizados formadores de opinião sobre a línguagem, que aliás, como em todas as línguas, não é uma “coisa” estática e “imexível”, quando a falha, omissão ou lacuna é admitida, advertida e levantada por autoridades lingüísticas e autorizados literários consagrados na matéria da literatura,.do léxico e da etimologia.
É preciso recordar, por respeito à verdade, e à inteligência democrática republicana e ortográfica, que quando a “Academia Brasileira de Letras” com todoo peso desua responsabilidade e devida autoridade se inclinou ou “atreveu” ao belo propósito de fazer o seu vocabulário ortográfico, hoje polemizado, sujeito a críticas severas e desconsiderado, estava sob a influência política, do “chefe” todo poderoso e onipotente “ditador” Getúlio Vargas, feito politicamente membro da egrégia Academia, por mais que sua pena e verbo fossem incomuns, sendo personalidade de verbo dominante quanto fascinante., cuja política nacionalista não deixava entretanto, de sofrer a forte influência política, direta ou indireta do integralismo e do corporativismo – de inspiração fascista de Salgado Filho, o qual, na época, propugnava exatamente a exacerbação nacionalista em todas as áreas da atividade nacional, que indiscriminadamente, sem fronteiras, sem padrões de autenticidade, desde a interpretação ou fundamentado respeito, seja à etimologia, aos fatos concretos ou históricos, da. ciência ao trabalho, à indústria, à agricultura, à gramática, ao léxico, à sociologia, à literatura, não restavam escrúpulos à sua malfadada e anti-democrática interferência..
Infelizmente resquícios dessa triste influência e atmosfera se fez sentir, por décadas e décadas e em certas áreas ainda permanece, a nefasta “sociologia” de comparação ufanista de valores, tais como: país maior do mundo, tão grande como, o de futuro mais promissor, do gigante adormecido, do mais e melhor em muitas áreas, do futebol ao Carnaval, às riquezas potenciais, à decantada e encantada dengosa mulata brasileira, ao seu povo cordato, sem racismo, pacífico, vivendo em meio a alusões à lenda do Paraizo Terrestre, sem a devida consideração ética e objetiva das reais circundantes realidades próprias ou alheias. Por que razão “cabreuvense” seria de origem espúria, nada menos que espúria, palavra que segundo o próprio dicionário Houaiss, de um dos mais consagrados membros dessa mesma egrégia Academia Brasileira de Letras, e de outros, como o pai de todos os dicionários o Lello Universal, definem como adjetivo:
ESPÚRIO:
1 não genuíno; suposto, hipotético
2 ilegítimo, bastardoEx.:
3 que não pertence ao vernáculo; não castiçoEx.: palavra e.
4 falsificado, alterado, adulteradoEx.: uísque e.
5 que não está de acordo com as leis ou a ética; ilegal, desonesto, ilegítimoEx.:
6 que não é de autoria da pessoa à qual é atribuídoEx.: quadro e.
Portanto à expressão “cabreuvense” não pode ser de forma alguma, como foi levianamente considerada no artigo editorial crítico do Jornal referido, de espúria, ou seja imprópria, “alterada, falsificada, adulterada” . Pelo contrário, está revestida da mais pura e autêntica legitimidade, histórica, etimológica e gramatical!. . .
Convenhamos, é um exagero! Excesso ou descuido de linguagem, apenas explicável como conseqüência óbvia de paixão ou exacerbado gosto pela tradição, bairrismo, entusiasmo, ou simples preferência por esta ou aquela inadvertida ou teimosa forma de expressar-se pretensa e corretamente, se não exacerbação oportunista e maliciosa de objetivação política. O gosto ou preferência de cada um deve ser necessariamente respeitado e reconhecido por todos, sobretudo se não for dolosamente descriminante.
Há sempre formas e costumes grafados de maneira mais agradável que outras, susceptíveis de favorecer ou agradar ao ouvido de uns e de outros. Para isso há regras, disciplinas, hábitos e costumes, como exige por outro lado uma boa educação e o apropriado uso e conhecimento da língua e não o abuso e uso libertário, condicionante e indiscriminado da língua. Usemos a forma correta que mais nos agrade, dentro da riquesa idiomática. Entretanto, obedientes às regras do léxico, sem imposição e absoluto exclusivismo.
Exclusivismo seria mero despotismo ultrapassado, desconsideração dos valores em jogo, ou intencional desconhecimento, abstração das verdadeiras e diversificadas formas, regras e oportunidades que inspiram, enriquecem, embelezam e recomendam o bom uso da linguagem corrente. Porque razão então seguindo o mesmo critério, indaiatubense, saltense, campinense, jundiaense, arujaense, araraquarense, lisbonense ou lisboeta, recifense, portuense, jaçanaense, cajamarense, itupevense, itatiaiense, itatibense e tantos mais “enses” por aí afora nesse imenso Brasil e no pequenino Portugal de gloriosa origem da língua. estruturada, alinhavada, enriquecida por Camões, Eça de Queiróz, Herculano, Fernando Pessoa, e tantos outros gloriosos, estariam fadados a essa “espúria” descriminação ou condição de ilegitimidade?
Não será mais fácil, culto e equânime admitir a equivalência e propriedade em ambas as expressões, quando ditas espontaneamente, quando for conveniente ou próprio? Para quê fazer rebuscadas, exóticas críticas, impropriamente fundamentadas e ultrapassadas argumentações?
Não se trata de saber o que veio antes ou depois: O ovo ou a galinha. É uma questão de riqueza cultural que deve ser preservada e jamais mutilada ou desviada do verdadeiro foco, por bairrismos, radicalidades supérfluas ou injustificáveis maneirismos de dúbia origem ou intenção.
Muitíssimo menos se houver a intenção de desqualificar quem o diz, quando afinal diz com propriedade e correção.
Negar simplesmente como espúria, tão insensata e declaradamente por jornal em editorial, uma forma perfeitamente legítima e consagrada histórica e universalmente, expressão própria, culta e adequada, dando a outra a exclusividade pretendida, é no mínimo uma capciosa, ilógica opção ou preferência pelo consumo ou uso limitador da linguagem rica e versátil que possuímos, como é a que nos oferece a língua portuguesa.
Essa desconsideração certamente não corresponde a um verdadeiro respeito, zelo, amor e empenho cultural pela propriedade e amplitude da verdade democrático republicana, tremendamente rica na multi-expressividade e tradição da língua.
Ir. Erasmo Figueira Chaves
Presidente Emérito da Academia Paulistana Maçônica de Letras
Titular da cadeira nº 31 (cujo patrono é Cesário Motta Júnior) da Academia Ituana de Letras
Membro da Academia de História Militar.
Presidente fundador da Sociedade Cabreuvana de Cultura

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