A questão da natureza do Cristo foi debatida desde os primeiros séculos do Cristianismo. Pode-se dizer que ainda não se acha solucionada, pois que continua a ser objeto de discussão. Foi divergência das opiniões sobre este ponto que deu origem à maioria das seitas que dividiram a Igreja há quase vinte séculos, sendo de notar-se que todos os chefes dessas seitas foram bispos ou membros titulados do clero. Eram, por conseguinte, homens esclarecidos, muitos deles escritores de talento, abalizados na ciência teológica, que não achavam concludentes as razões invocadas a favor do dogma da divindade do Cristo.
Entretanto, como hoje, as opiniões se firmaram mais sobre abstrações do que sobre fatos. Sobretudo, o que se procurou foi saber o que o dogma continha de plausível, ou de irracional, deixando-se, geralmente de um lado e de outro, de assinalar os fatos capazes de lançar sobre a questão uma luz decisiva.
Mas, onde encontrar esses fatos, senão nos atos e nas palavras de Jesus?
Nada tendo Ele escrito, seus únicos historiadores foram os apóstolos que, tampouco escreveram coisa alguma quando o Cristo ainda vivia. Nenhum historiador profano, seu contemporâneo, havendo falado a seu respeito, nenhum documento mais existe, além dos Evangelhos, sobre sua vida e a sua doutrina.
Aí somente é que se há de procurar a chave do problema. Todos os escritos posteriores, sem exclusão dos de S. Paulo, são apenas, e não podem deixar de ser, simples comentários ou apreciações, reflexos de opiniões pessoais, muitas vezes contraditórias, que, em caso algum, poderiam ter a autoridade da narrativa dos que receberam diretamente do Mestre as instruções.
Sobre esta questão, como sobre as de todos os dogmas, em geral, o acordo entre os Pais da Igreja e outros escritores sacros não seria de invocar-se como argumento preponderante, nem como prova irrecusável a favor da opinião de uns e outros, uma vez de nenhum deles citou um só fato, fora do Evangelho, concernente a Jesus; que nenhum deles descobriu documentos novos que seus predecessores desconhecessem.
Os autores sacros nada mais conseguiram do que girar dentro do mesmo círculo, produzindo apreciações pessoais, deduzindo corolários acordemente com seus pontos de vista, comentando sob novas formas e com maior ou menor desenvolvimento as opiniões contrárias às suas. Pertencendo ao mesmo partido, tiveram todos de escrever no mesmo sentido, senão nos mesmos termos, sob pena de serem declarados heréticos, como o foram Orígenes e tantos mais.
Naturalmente, a Igreja só incluiu no número dos seus Pais os escritores ortodoxos, do seu ponto de vista. Sendo advogados de uma mesma causa e defendendo-a com incontestável talento, haviam forçosamente de adotar as mesmas conclusões. Longe de intentarmos apontá-los no que quer que fosse, apenas quisemos refutar o valor das conseqüências que se pretende tirar do acordo de suas opiniões.
Ora, entre esses fatos, outros não há mais preponderantes, nem mais concludentes, do que as próprias palavras do Cristo, palavras que ninguém poderá refutar, sem infirmar a veracidade dos apóstolos.
Pode-se interpretar de diferentes maneiras uma parábola, uma alegoria; mas, afirmações precisas, sem ambigüidades, repetidas cem vezes, não poderiam ter duplo sentido. Ninguém pode pretender saber melhor do que Jesus o que ele quis dizer, como ninguém pode pretender estar mais bem informado do que ele sobre a sua própria natureza. Se ele foi obscuro em certos pontos, por usar uma linguagem figurada, no que concerne à sua pessoa não há equívoco possível.
Que autoridade maior se pode pretender, do que o das suas próprias palavras? Que interpretações podem prevalecer contra afirmações tão formais e multiplicadas como estas:
“Não vim de mim mesmo, mas aquele que me enviou é o único Deus verdadeiro. – Foi de sua parte que vim. – Digo que vi junto a meu Pai. – Não me cabe a mim vo-lo conceder; isso será para aqueles a quem meu Pai o preparou. – Vou para meu Pai, porque meu Pai é maior do que eu. – Por que me chamas bom? Bom não há, somente Deus. – Não tenho falado por mim mesmo; meu Pai, que me enviou, foi quem me prescreveu, por mandamento seu, o que devo dizer. – A doutrina que prego não é minha, mas daquele que me enviou. A palavra que tendes ouvido não é minha, mas de meu Pai que me enviou. – Nada faço de mim mesmo; digo unicamente o que meu Pai me ensinou. – Nada posso fazer de mim mesmo. – Não cuido de fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou. – Tenho-vos dito a verdade que aprendi de Deus. - Meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou. – Tu que és o único Deus verdadeiro e Jesus Cristo a quem enviaste. – Meu Pai, nas tuas mãos entrego meu espírito. – Meu Pai, se for possívelfaze que de mim se afaste este cálice. – Subo para meu Pai e vosso Pai, para meu Deus e vosso Deus.”(Jo. 20:17)
Quando se lêem tais palavras, fica-se a perguntar como há podido vir, sequer, à mente de alguém a idéia de atribuir-lhes sentido diametralmente oposto ao que elas exprimem tão claramente.
A questão teve maior relevância no tempo do Papa S. Marcos (confessor), que dirigiu a igreja no ano de 336. Ário, de Alexandria, sustentava a tese de que Jesus era semelhante a Deus, mas o Papa dizia que era consubstancial (igual). Foi aí que foi decretado o dogma da trindade.
Analisemos o seguinte:
(João 10:30) - Eu e o Pai somos um.
Fundamentados nesta afirmação de Jesus, muitos dizem que Ele mesmo afirma que é Deus. Vejamos os textos seguintes: João 10:34) - Respondeu-lhes Jesus: Não está escrito na vossa lei: Eu disse: Sois deuses? (João 10:36) - Àquele a quem o Pai santificou, e enviou ao mundo, vós dizeis: Blasfemas, porque disse: Sou Filho de Deus? Aqui Jesus continua afirmando que é o Filho de Deus.
(João 14:20) - Naquele dia conhecereis que estou em meu Pai, e vós em mim, e eu em vós.
Aqui Jesus mostra que no mundo espiritual todos estaremos juntos, fazendo parte da mesma essência divina, ou seja, todos faremos parte de Deus, que seremos um só.
(João 5:19) - Mas Jesus respondeu, e disse-lhes: Na verdade, na verdade vos digo que o Filho por si mesmo não pode fazer coisa alguma, se o não vir fazer o Pai; porque tudo quanto ele faz, o Filho o faz igualmente.
(João 6:38) - Porque eu desci do céu, não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou.
(JO 14:12) - Na verdade, na verdade vos digo que aquele que crê em mim também fará as obras que eu faço, e as fará maiores do que estas, porque eu vou para meu Pai. Nesta passagem Jesus diz que poderemos fazer a coisas que Ele fez e ainda maiores. Se Ele fosse Deus, poderíamos fazer isso? Nós, pobres mortais, poderíamos fazer mais do que Deus? Se Ele fosse Deus diria: -“Eu sou o Pai!, em vez de – Eu vou para o meu Pai!”.
(João 14:23) - Jesus respondeu, e disse-lhe: Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e meu Pai o amará, e viremos para ele, e faremos nele morada.
Vejamos que aqui Jesus usou a primeira pessoa do plural (nós viremos, nós faremos), confirmando que todos iremos para Deus, faremos morada em Deus e seremos Deus, ou seja, um só espírito, uma só essência.
(LC 23:34) - E dizia Jesus: Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem. E, repartindo as suas vestes, lançaram sortes.
(MT 27:46) - E perto da hora nona exclamou Jesus em alta voz, dizendo: Eli, Eli, lamá sabactâni; isto é, Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste? (Mc 15:34)
(Lucas 23:46) - E, clamando Jesus com grande voz, disse: Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito. E, havendo dito isto, expirou.
Nestes três textos Jesus pede ao Pai que perdoe seus algozes, depois interroga ao Pai porque foi abandonado e entrega seu espírito ao Pai.. Se fosse Ele Deus, haveria necessidade dessas palavras? Cada um que tire suas conclusões.
Procuremos ler estas passagens dos Evangelhos:
Mateus: 10:32 a 33; 19:16; 20:23; 24:36; 25:31 a 34; 26:36 a 42; 27:46; 28:18.
Marcos: 9:37; 10:17,18; 13:32; 14:34 a 36; 15:34.
Lucas: 9:26 e 48; 10:16; 18:18,19; 22:28 a 44; 23:46; 24:48,49.
João: 5:16,17,22 a 27,30 a 38; 6:38; 7:16 a 18,33; 8:16,25,26,28,29,38,42; 10:17,18,29 a 38; 11:41,42; 12:49,50; 14:10,20,24,28,30,31; 17 ;1 a 26; 20:17.
Atos dos Apóstolos: 2:22 a 28,33 a 36; 3:22,23,26; 4:10,26 a 28; 5:29 a 31; 7:37,48,49,55 a 58.
Somente no Novo Testamento encontramos Jesus se referindo a Meu Pai (56 vezes), Vosso Pai que está nos céus (24 vezes), Filho de Deus (44 vezes), O Pai, aquele/daquele que Me enviou (32 vezes), Filho do Homem (84 vezes), à direita de Deus (3 vezes-Mc.16:19-At.7:55-Rm.8:34), à direita do Poder de Deus (3 vezes-Mt.26:64-Mc.14:62-Lc.22:69), Meu Filho Amado(7 vezes) e Filho do Altíssimo(1 vez). São 257 referências citando Jesus o Filho de Deus.
Se formos citar todas as passagens, a partir do Velho Testamento, levaríamos várias páginas para mostrar que Jesus afirma que não é Deus, mas filho de Deus e Ele sempre tratou os apóstolos como irmãos e não como filhos. Lembremos que a prece louvando Maria diz: “Santa Maria mãe de Deus”. Essa não é uma afirmação correta, pois se Deus tivesse mãe não seria o Criador de todas as coisas, Ele seria criado, pois teria vindo depois de Maria.
“Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” João 8:32.
Petronilo Pereira Filho
03/09/2003